quarta-feira, 30 de junho de 2010

Perto do Coração Selvagem - Clarice Linspector

Sinopse: A amoralidade diante da maldade. O instinto na condução da trama, com uma certa dose de automartírio. A história de Joana — não a Virgem d’Orleans, mas a personagem de Clarice Lispector nesta obra de estréia, marcou a ficção brasileira em 1944. A narrativa inovadora (ainda hoje) provocou frisson nos círculos literários. A técnica de Clarice Lispector funde subjetividade com objetividade, alterna os focos literários e o tempo cronológico dá lugar ao psicológico (o presente entremeado ao intermitente flashback).

A prosa leve discorre com fluência e fluidez nos meandros da protagonista, na sua visão de mundo e interação com os demais personagens. Tudo isso revelou Clarice Lispector como mais que mera promessa na prosa da Geração de 45. É o texto do sensível e do imaginário, ora enfrentando ora diluindo-se aos incidentes reais de Joana.

Deve-se ler a obra com instrumentos de anatomia: usa-se bisturi para dissecá-la e pinça para estudar os personagens como órgãos autônomos, que se ligam por estranhas artérias e nervos à personagem de coração e cérebro Joana. São eles: o pai prematuramente falecido, incentivador das brincadeiras na infância; a tia assustada com as estripulias da órfã, a quem chama de víbora; o tio fazendeiro, afetuoso com Joana e abúlico diante das reclamações da mulher; o professor confidente e orientador (como a paixão da puberdade); Otávio, o rapaz que se casa com Joana ao romper o noivado com Lígia, de quem posteriormente se torna amante; Lígia, grávida de Otávio, conta tudo à protagonista; o homem sem nome, sustentado pela mulher, participante silenciosa do romance clandestino e sem compromisso dele com Joana.

A leitura é caleidoscópica. A protagonista ora tem uma cor, ora outra, conforme o momento ("real" ou onírico). As cores dançam no enredo misturado ao cenário e às sensações da menina-mulher-amante. Joana desfila na vida dos outros personagens, destilando o veneno de víbora, instilado com ironia e respostas cruéis diante dos fatos. A leitura também é lúdica, quando o leitor tenta adivinhar o que a autora preparou páginas adiante e se surpreende com o que presencia. O livro, como os demais títulos de Clarice Lispector relançados pela Rocco, recebeu novo tratamento gráfico e passou por rigorosa revisão de texto, feita pela especialista em crítica textual Marlene Gomes Mendes, baseada em sua primeira edição.

"Em "Perto do coração selvagem", Clarice narra a história de Joana, uma moça que logo fica órfã de pai e mãe, e que desde sempre tem o costume da introspecção.
Joana expressa, por fluxos de consciência, sua vida interior, contrapondo suas experiências de menina às de adulta, mergulhando ora no passado, ora no presente, segundo o fio condutor da memória. A infância viveu ao lado do pai. A mãe, Elza, morreu, quando ela ainda era muito pequena; Conhecia-a pelas descrições do pai. O tempo junto a este também foi curto, morreu quando ela ainda era menina. Órfã, Joana vai morar com os tios. Um dia ao acompanhar a tia às compras, como num teste para si mesma e causar espanto aos outros, Joana roubou um livro, fazendo com que a realidade de sua relação com aquela família viesse à tona. Apavorada com esse tipo de conduta, a tia pediu ao marido que encaminhasse a menina a um colégio interno. Depois de sair do internato, Joana casou-se com Otávio, que divagava tão intensamente quanto ela. Mesmo casado, mantinha um relacionamento amoroso com, Lídia, sua ex-noiva, a quem engravidou. Isso aparentemente seria a causa da separação entre Otávio e Joana. Depois da separação, um homem desconhecido passou a seguir Joana, durante algum tempo. Um certo dia, ela se viu na casa desse estranho e, sem sequer saber-lhe o nome, desejando conhecê-lo por outras fontes e por outros caminhos, com ele teve alguns encontros. O desconhecido que, para ela, era mais um salto para sua auto-investigação, um dia, acabou partindo. Ela, também, embarcou sozinha para uma viagem não muito bem definida.

Falar desse livro é realmente difícil, ao lê-lo percebe-se porque causou tanto frisson nos círculos literários, esse livro de estreia de Clarice é extremamente "perturbador", mostra que mesmo tão nova Clarice já possuía uma veia literária extraordinária.

A narrativa do romance é quebrada, feita de flashbacks da memória da personagem principal, que se fundem com seu dia-a-dia, com os diálogos com os outros personagens, que na verdade são monólogos..

É uma exploração íntima da personagem e seu lado mais obscuro e terno ao mesmo tempo, sem subterfúgios, sem palavras doces. Este livro nos faz sentir a sensação que percorre as veias depois da leitura é de um mergulho tão profundo em si mesmo, tão profundo que não se consegue voltar a superfície como antes."

6 comentários :

  1. Oi

    Falar de Clarice é sempre uma experiência surreal e acima de tudo quem lê seus livros nunca mais é o mesmo.

    Boa Resenha.

    Beijos

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  2. será que clarice ficará no topo dos autores lidos neste mês? ;o)

    adorei sua resenha!

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  3. Ei Kézia,

    Clarice é até difícil de elogiar, perfeita. Perdi a chance de colocá-la no desafio, já li vários contos e trechos mas acredita que nunca li um livro inteiro dela? Tenho que corrigir isso.
    Adorei a resenha.

    bjo

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  4. Falar de Clarice sempre é difícil e vc falou com maestria. Eu comecei a apreciar Clarice recentemente, ainda lerei obras mais complexas dela, comecei por enquanto, com os contos.

    Bjjs.

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  5. Eu também li um livro de Clarice para o desafio e confesso que fiquei confusa ao me deparer com a profundidade e complexidade de seus escritos. Ainda quero muito compreendê-la. Excelente resenha.

    Bjs

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  6. por que esse nome na obra

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